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OUTONO EM NEW YORK


OUTONO EM NOVA IORQUE


Era Outono em Nova Iorque, uma tarde luminosa, temperatura amena.
Encontrava-me no Central Park, contemplando distraidamente o multicolorido das folhas nas árvores – tons variados de amarelo, marrom, violeta – quando, de repente, ao desviar os olhos para os transeuntes, eu a vi, de costas, à meia distância. Será mesmo ela, pensei. O que faço? Sem mais hesitação procurei alcança-la e, quando me aproximei o bastante toquei de leve em seu ombro. Ela virou-se e...que decepção, não era quem eu imaginara que fosse. Pedi-lhe desculpas, meio desajeitado, expliquei que a tinha tomado por outra pessoa que conhecera no verão passado. Ela apenas sorriu e seguiu seu caminho.
Fiquei ali, por uns momentos, e sem que me desse conta, meu pensamento voltou no tempo e comecei a relembrar:
“Foi numa noite do verão passado, quente e úmida como costuma ser essa estação nesta cidade. Encontrava-me num bar repleto de pessoas que, como eu, buscavam conforto no ar condicionado do lugar e na bebida gelada. Encostado no balcão saboreava placidamente meu drinque quando, subitamente, ouvi alguém pedir um “ gin and tonic, please”... Aquela voz suave e o perfume que a seguiu atingiram-se em cheio. Virei-me lentamente, procurando controlar minha ansiedade, e então eu a vi. Tinha olhos de um azul profundo contrastando lindamente com sua tez morena clara, cabelos castanhos ondulados que lhe caiam sobre os ombros com charmosa displicência. Afastei-me um pouco, abrindo espaço que permitisse a ela se acomodar ao meu lado. Fingi que não a observava. Então percebi que ela tentava inutilmente acender um cigarro, seu isqueiro falhava sem parar. Ofereci-lhe o meu, ela aceitou e agradeceu com um sorriso lindo. Começamos a conversar sobre amenidades, notei que, como eu, ela também estava tensa. Aos poucos fomos nos soltando e trocamos olhares nervosos, mas comprometedores. O zum-zum-zum era enorme, ela falava baixinho obrigando-me a aproximar-me mais e mais pra poder ouvi-la melhor.
Disse que era advogada e que trabalhava num dos grandes escritórios de advocacia da cidade.Sua voz soava aos meus ouvidos com uma melodia suave e harmoniosa. Nessa altura o bar parecia que tinha se esvaziado. Eu não via mais ninguém, só ela. Estávamos, ambos, envolvidos por uma atração recíproca indisfarçável e nossos olhares já não mais escondiam isso. Foi quando ela sugeriu que saíssemos dali, para um lugar onde tivéssemos mais privacidade. (Eu morava perto de onde estávamos, havia dito isso a ela no curso de nossa conversa). Então, arrisquei: “Meu apartamento?” Ela hesitou, mas por um segundo apenas.
No trajeto, mal nos falamos. Não era necessário, embora até então eu não soubesse seu nome nem ela o meu. Mais tarde, pensei, haverá tempo pra isso.
Ao chegarmos ela pediu pra usar o telefone. Acendi umas velas perfumadas, pus um CD pra tocar e fui preparar um drinque pra nós. Ao retornar à sala encontrei-a recostada no sofá, sem sapatos, blusa ligeiramente entreaberta revelando um colo lindo. Sentei-me ao seu lado, ela ignorou o drinque que lhe ofereci. Abraçamo-nos carinhosamente e trocamos um longo beijo. Lentamente, ao som de Mozart e sob a tênue luz das velas fomos nos entregando mutuamente, até sermos um só. E começamos uma jornada de amor, sem pressa nem reservas, rumo a uma galáxia distante, cercados de estrelas...
Na manhã seguinte, quando despertei, ela já se fora. Sem uma palavra sequer, ou um bilhete de despedida, sem nome, sem telefone, nada. Ela se foi silenciosamente e envolta em mistério. Porquê? me perguntei e não tive resposta.
Nessa mesma noite e em muitas outras, retornei ao bar onde havíamos nos conhecido, na esperança de reencontra-la. Em vão. Durante meses, ao chegar em casa repetia o ritual de acender velas e colocar o mesmo CD pra tocar, servia-me um drinque e deixava outro pronto pra ela e ficava na expectativa de que, de repente, soasse a campainha e quando eu abrisse a porta ela estivesse lá.
Mas ela jamais voltou. Nunca mais a vi.
Dela apenas restou, em minha mente, essa incômoda recordação; nos meus ouvidos, a doçura das palavras por ela murmuradas durante nossa jornada ao paraíso; o perfume na toalha abandonada na pia do banheiro e alguns fios de seu cabelo no travesseiro que acalentou seus sonhos...
E esse silêncio, que me ensurdece. E essa insuportável sensação de vazio que me devasta.
De volta à realidade perguntei-me: ATÉ QUANDO?
Até que um dia eu encontre alguém que me faça esquece-la, alguém que me resgate de vez e que me conduza novamente àquela galáxia distante, cercado de estrelas.
E que, passado esse momento de êxtase, continue ao meu lado, não apenas na manhã seguinte, mas em todas as manhãs de minha vida.”

Era outono em New York, uma tarde luminosa, temperatura amena...

APS/
Fevereiro/84

4 comentários:

Maria Inês S. de Oliveira | 24 de janeiro de 2010 às 06:53

Belíssimo conto, pois tua narrativa nos leva a ver tudo o que descreves. Também fiquei na expectativa da moça retornar.rsrsrsrs

Parabéns!

Rastros de um andarilho | 24 de janeiro de 2010 às 08:23

Obrigado, Maria Inês

Depois de tanto tempo não tenho mais expectativa de volta. Já esqueci dela, não do que aconteceu.

Bjs

uma leitora | 27 de janeiro de 2010 às 03:49
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo | 28 de janeiro de 2010 às 04:34
Este comentário foi removido pelo autor.